quinta-feira, 23 de agosto de 2012

FOTO 12 - Berlim enquadrada em quadrados






Berolinastrasse, no. 12                         Karl Marx Allee, no. 70e
Mollstrasse, no. 11                              Schillingstrasse, no. 27


fotos Letícia Vitral

     Começamos a cobertura das exposições do FOTO 12! E começamos por uma das quatro exposições vencedoras do I Prêmio Funalfa de Fotografia, "Que venham a Berlim!", de Letícia Vitral.






     Letícia acaba de voltar de uma temporada em Siegen, na Alemanha, onde esteve em um programa de intercâmbio universitário da UFJF com a Siegen Universität, e dedicou-se justamente ao estudo da Fotografia. Como o blog já acompanha Letícia há algum tempo, tinha notícias de seus estudos e trabalhos, assim como do prêmio obtido, que resultou nesta exposição no FOTO 12. Mas nem assim a exposição deixou de ter forte impacto visual, uma vez que só fomos mesmo vê-la após o início do FOTO 12

     Uma frequente citação de Ansel Adams diz que no ato da fotografia não entra só a câmara, mas todas as imagens vistas pelo autor, os livros lidos, a música ouvida... Por extensão, também é como uma fotografia, ou uma exposição, pode ser vista. Se um visitante não tiver interesse pela Alemanha, não leu sobre história da Guerra Fria, ou não soube do discurso de Kennedy em que disse "Ich bin ein Berliner!", ou não gosta de arquitetura, muito bem, pode achar que temos ali algumas fotos interessantes mas de certo modo monótonas. Do contrário, a exposição de Letícia é cativante!

     Não apenas a ideia é brilhante, como a observação de uma realidade e seu registro e transposição para uma mostra fotográfica foi muito bem realizada. O próprio formato da apresentação já transmite bem conceitos como produção em massa, repetição, e a monotonia da arquitetura do bloco comunista.

    Mas passamos a palavra a Letícia, que faz excelente apresentação de seu projeto. Leia e vá ver esta também divertida mostra no CCBM, assim como as demais do FOTO 12!
     O trabalho consiste numa série de 12 fotografias digitais coloridas de 30cmx30cm cada. As fotografias foram feitas na avenida Karl-Marx-Allee e seus arredores, na cidade de Berlim, Alemanha, no ano de 2012. As 12 imagens mostram diversas portarias de complexos residenciais, seguindo determinados parâmetros técnicos: enquadramento frontal evitando ruídos como pessoas ou grande quantidade de elementos alheios ao tema; proporções similares entre as fotos; e iluminação natural (dia nublado, com luz difusa) prevenindo sombras. Estes parâmetros foram um método escolhido para explorar as relações encontradas no espaço urbano da avenida e seus arredores, levando em consideração questões políticas, históricas e estéticas.

     O governo da República Democrática Alemã (RDA) usou a arquitetura (assim como demais manifestações estéticas) como meio de transmitir a imagem de uma sociedade socialista ideal. O projeto da Karl-Marx-Allee e seus arredores é visto como a obra mais simbólica deste período, devido às suas dimensões de caráter monumental e à sua localização: no centro da cidade de Berlim, vitrine principal das disputas políticas durante a Guerra Fria. Isso levou à contaminação da região com signos que expressam a grande responsabilidade da luta da Alemanha Oriental contra o Ocidente. Notavelmente, em Berlim, a arquitetura do regime socialista superou funções meramente simbólicas e sugestivas, estabelecendo uma barreira física de violência e controle com a construção do Muro de Berlim.

     Em contraponto a toda essa monumentalidade e responsabilidade, as pequenas portarias dos edifícios se revelam como parte de um conjunto de detalhes ligados ao cotidiano e às banalidades da vida doméstica. As portarias funcionam, em meio uma profusão de signos políticos, como a possibilidade de um refúgio, onde a vida pública idealizada cede lugar a preocupações mais pessoais e subjetivas. Este contraste é um dos pontos explorados na temática das imagens apresentadas.

     A construção dos prédios da Karl-Marx Allee e seus arredores se deu em duas fases principais distintas: a primeira, baseada nos ideais arquitetônicos e estéticos do Realismo Socialista, durante a década de 50; e a segunda, na década de 60, com padrões de produção de nível industrial como base. Na segunda fase, de modo diferente da primeira, todos os prédios (com a exceção de dois) foram planejados em um mesmo momento em conjunto. As imagens submetidas são, todas, de prédios construídos durante a segunda fase. Se, a primeira vista, tal planejamento em conjunto salta aos olhos; numa análise mais atenta é possível perceber variações entre os prédios como: as texturas, os materiais utilizados no revestimento, as cores dos detalhes, o número de andares, entre outros: todos como variações de uma mesma forma. O recorte das portarias dos prédios, assim como o enquadramento e as proporções padronizadas das fotos, também enfatizam o confronto entre a serialidade do projeto da avenida e as singularidades de cada edifício.

     O título “Que venham a Berlim!” faz referência ao discurso icônico de John F. Kennedy em Berlim Ocidental, no ano de 1963. Com essa frase, o presidente americano criticou tanto a postura da União Soviética em relação à construção do muro, quanto a efetividade dos planos soviéticos em relação ao governo a à economia, desafiando-os a conhecer Berlim Ocidental e, com isso, concluir que esta era a “metade” superior da cidade. Essa frase também dialoga com a relação de “entrada/saída” na cidade de Berlim, onde o simbolismo da “porta” assim como da “passagem” era extremamente forte na mente os cidadãos, tanto como possibilidade de mudança, assim como de uma vida em liberdade.

     O objetivo principal é investigar as relações entre política, arquitetura e linguagem fotográfica, tomando como exemplo a Karl-Marx-Allee e seus arredores na cidade de Berlim. Essa investigação se relaciona com a noção de bens imóveis como patrimônio cultural/histórico, servindo como ponto de encontro entre dados arquitetônicos, históricos, culturais e políticos. Sua conseqüência indireta é a reflexão sobre o poder do patrimônio de uma cidade de construir uma identidade cultural; de materializar registros históricos da cidade; e de moldar referências que definem uma sociedade em determinado espaço ou período de tempo.

     A cidade de Berlim é uma escolha natural como objeto de investigação de tais relações, por conta de seu papel diferenciado dentro da História do século XX. Entretanto, as conseqüências da investigação vão além do âmbito de Berlim, na medida em que lidam com questões presentes em qualquer espaço urbano que possua um conjunto arquitetônico de alto valor cultural/histórico. Adicionalmente, suas preocupações dizem respeito não apenas a questões pessoais de expressão artística, mas a um diálogo mais amplo com a sociedade e a cidade. Neste contexto, se espera chamar a atenção para a importância do patrimônio cultural/histórico dentro de um espaço urbano.


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No Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (CCBM)
FOTO 12 - 12 de agosto a 12 de setembro
Terça a sexta-feira, de 9h às 21h. Sábados e domingos, de 10h às 16h
Av. Getúlio Vargas, 200 (Centro)
3690-7051 / 3690-7052

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